Padre Vito deixa a cidade de Ribeirão para tristeza dos fiéis - Crédito: Arquivo Diário de Pernambuco

Padre Vito deixa a cidade de Ribeirão para tristeza dos fiéis – Crédito: Arquivo Diário de Pernambuco

Blog: Quando percebeu que a pressão política aumentaria?
Padre Vito Miracapillo: Em 1977, sendo que havia evangelização no campo, por parte da paróquia. Eles pediram para nós déssemos apoio ao direito que tinham de possuir a terra, de receber a terra por parte do governo. Era o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que estava lá por parte do governo. A gente ficou acompanhando o pessoal, nesta reivindicação conforme a lei, sem violência, apresentando a realidade das coisas. Seja de quem sofreu pressão e foi embora da cidade, como também de quem ficou. Aí começou o problema porque os latifundiários, a cooperativa, os capangas e até o diretor do Incra, começaram a fazer pressão contra os camponeses, a paróquia e quem estivesse junto com eles.

Blog: Pressões de que tipo?
Padre Vito: Com ameaças e também enviando capangas nas reuniões. Os soldados também que iam pedir informação sobre o que o padre evangelizador tinha feito. No final, até o prefeito estava de acordo com os latifundiários. Numa noite então, havia um clima de perseguição. No 1º de maio, a gente distribuiu uma folha sobre o sentido da data para pedir direitos necessários e aquilo foi visto como subversão. Quando chegou o 7 de setembro, naquele ano tinha o lema, a Independência somos todos nós. Os organizadores da semana da pátria, fizeram o programa e depois, para o dia 7 colocaram duas missas para serem celebradas, sem pedir nada a paróquia e excluindo da programação. Quando eu recebi o programa, respondi que não podia celebrar essas missas, na forma e no horário que queriam. Mandei para o prefeito e para a Câmara Municipal. Entendi que o povo não é independente, pois estávamos sob perseguição, não era pago pelo que trabalhava, nas usinas, no campo, não é protegido em seus direitos, e está reduzido a condição de pedinte. Esta motivação foi o que fez explodir o caso porque Severino Cavalcante, que era o deputado estadual da área e estava ligado aos latifundiários, logo que viu aquela carta e pediu um dia depois na Assembleia Legislativa de Pernambuco, que eu fosse expulso do País e que a Assembleia fizesse um requerimento ao governo federal.

Blog: Isso foi em que ano?
Padre Vito: Em 1980. No dia 24 de setembro, eu fui interrogado pela polícia, na sede regional lá no Recife e então foi aberto um processo contra mim. Processo por parte do governo federal. No dia 2 de outubro, tentaram me matar porque os bispos da área decidiram fazer uma missa de solidariedade a minha pessoa e à comunidade. Já na manhã de 3 horas, os camponeses foram bater em minha porta e perguntaram: “padre, no rádio estão dizendo que não vai haver missa de solidariedade”. E eu disse que estava confirmada. Os latifundiários estavam difundindo a coisa para os camponeses não participarem. Quando eu confirmei, eles saíram pelo campo confirmando que haveria missa. Eu tinha sabido dessa intenção de me matarem na hora da missa, era 9 horas, mais ou menos.

Blog: A missa foi dentro da igreja?
Padre Vito: Fizemos na igreja para não dar motivos a tumultos. A igreja estava superlotada com padres que vieram de toda a parte do estado, algumas representações de Brasília, das Comissões de Justiça e Paz (CBJP), do Rio também. Pouco antes de começar a missa, entraram 30 pessoas armadas e quase 60 ficaram lá fora, no meio da praça, que estava também superlotada porque não cabia na igreja. E começaram a cantar o hino nacional e agredir também padres, jornalistas e pessoas que estavam próximas do altar. Eu estava na sacristia com os bispos. Uma velhinha veio chorando em uma crise de nervos até mim e disse: “Padre, está tendo uma confusão lá”. Eu saí da sacristia e vi alguns membros dos latifundiários que estavam agredindo. O meu advogado me viu, me pegou pelo braço e me disse: “Padre Vito, volte para a sacristia e fique sempre cercado por amigos porque estão querendo sequestrá-lo e matá-lo”. E então, ficamos lá. Os dois bispos com o advogado foram na praça e chamaram a polícia. A sorte é que o delegado tinha chegado só dois dias antes na cidade e não era ligado a nenhum latifundiário. Então, ele entrou com toda sua equipe para a igreja e disse para os 30: “ou vocês saem de maneira que haja a celebração da missa, senão a gente abre fogo”. Quando eles viram que também soldados que geralmente, estavam do lado deles, estavam contra naquele dia, deixaram a igreja e a gente celebrou a missa. Logo depois, soubemos por dois deputados da oposição, que tinha havido uma reunião na casa de um dos latifundiários, que já tinha matado camponeses na região, com um general do Exército. De maneira tal que se tivesse acontecido o crime, o general daria cobertura política, dizendo que o problema era eu.